Para que entendamos um pouco melhor que representa o universo da biblioteconomia, retomo Umberto Eco e seu famoso O Nome da Rosa. O ambiente do romance, relembremos, é uma abadia do século XIV, no sul da Itália, onde ocorre uma série de homicídios motivados pelo interesse que alguns livros despertam. Interessa-nos aqui, e passo a citar, o momento em que o Abade fala sobre a papel do bibliotecário:

[...] Somente o bibliotecário, além de saber, tem o direito de mover-se nos labirintos dos livros, somente ele sabe onde encontrá-los e onde guardá-los, somente ele é responsável pela sua conservação. [...] E o elenco de títulos sempre diz um pouco, somente o bibliotecário sabe da colocação do volume, do grau de sua inacessibilidade, que tipo de segredos, de verdades ou de mentiras o volume encerra. Somente ele decide como, e se deve fornecê-lo ao monge que o está requerendo [...]. Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos (ECO, 1983, p. 53-54).

Ainda bem que isso mudou um pouco, não!?

O que representa ser bibliotecário hoje? Todos já ouvimos falar da sociedade da informação. Uma pesquisa com o termo informação no Google, este oráculo moderno, resulta em 4,5 milhões de páginas. Isso apenas em português; em inglês o número sobe para 120 milhões. Não tive tempo de ler todos os textos encontrados... Nunca teremos tempo de ler todos os textos encontrados. Com a avalanche diária de publicações impressas ou digitais hoje, é possível que nem encontremos mais os documentos de que precisamos. Para isso precisamos de bibliotecários, para nos
ajudar a resolver nossa ansiedade de informação.

Num livro denominado Missão do bibliotecário, que já conta 40 anos, o pensador espanhol Ortega y Gasset, preocupado com o crescimento exponencial da produção de livros, atribuiu-nos a missão de atuarmos fundamentalmente como um filtro que se interpõe entre a proliferação descontrolada de publicações inúteis e o leitor. Para que saibamos separar o útil do inútil precisamos de critérios de classificação, de indexação e de disseminação da informação, Precisamos de bibliotecários técnicos e cultos. Há uma resenha do livro, muito bem-feita, por sinal, no blog Dora Ex Libris.

A profissão desenvolveu-se à sombra de valores quase místicos: a biblioteca como templo, o livro como objeto sagrado (Deus IIOS fala por meio de um livro, não se esqueçam), o sentido misterioso, litúrgico, do ato de ler... Essa relação se manteve mais ou menos estável desde o surgimento da escrita. Há algo no ar que promete mudar essa relação: a internet. Considerando-se o acervo que depositamos nas bibliotecas mundo afora, o que temos disponível na internet é ainda insignificante. Mas é algo que já começa a fazer sentido, notadamente no campo da literatura científica. Precisamos estar atentos!

Uma frase atribuída a Bossuet, um bispo e teólogo francês do século XVII, diz o seguinte: "No Egito, chamavam se as bibliotecas tesouros dos remédios da alma. Com efeito, tratava-se nela a ignorância, a mais perigosa das enfermidades e origem das demais".

Segue, portanto, um conselho final: é preciso disseminar o saber; é preciso amar os livros, independentemente do seu suporte, e amar igualmente o ser humano, independentemente de sua origem ou condição.

Referências:

ECO, Umberto.  O nome da rosa.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

ORTEGA Y GASSET, José. Missão do Bibliotecário. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 2006.

(c) Walter Moreira

 

BACCA, Murtha (ed.). Introduction to metadata. 2.ed. Los Angeles: Getty Research Institute, 2008.

Disponível para download em pdf, este livro oferece uma introdução geral sobre metadados e explica alguns conceitos relacionados, além de abordar aspectos referentes ao uso de metadados na construção de recursos digitais. São cinco capítulos, organizados assim:

No primeiro capítulo, Setting the stage, algo como “preparando o cenário”, numa tradução livre, Anne Gilliland trata do metadado de forma geral, suas formas, funções e características. Aborda também a tendência atual de criação de metadados pelos próprios usuários, como as folksonomias.

No segundo capítulo, Tony Gill discute a aplicação dos metadados aos recursos da web, abordando seu uso pelos motores de busca, com várias referências ao Google, explicitamente. Explica a diferença entre a web “visível” e a web profunda. As questões relacionadas com os aspectos legais do acesso aberto aos documentos digitalizados também são tratadas aqui.

No terceiro capítulo, Maria Woodley analisa os métodos, instrumentos, normas e protocolos que podem ser utilizados para publicar e divulgar coleções digitais. Discute aspectos de integração de recursos hospedados em diferentes sistemas de informação e destaca a importância dos vocabulários controlados, tesauro, folksonomias para a qualidade da busca do usuário.

No quarto capítulo, Maureen Whalen reforça a discussão sobre os obstáculos jurídicos e os direitos fundamentais relacionados com uso de metadados em instituições de preservação da memória.

Esta mesma autora é responsável pelo quinto e último capítulo, Princípios práticos para a criação e manutenção de metadados, no qual ressalta a necessidade de comprometimento das instituições com a criação e atualização dos metadados referentes às suas coleções digitais.

Ao final do livro encontram-se um glossário, definindo os principais termos e ferramentas, e uma bibliografia selecionada.

O livro está disponível para leitura ou download, em capítulos separados, nos formatos PDF ou HTML.

Walter Moreira – 08 ago. 2009

 

 

Para quem se sente bem na companhia de livros, mas está sem idéias para confeccionar uma estante diferente, há algumas idéias interessantes  aqui (outras nem tanto).  Colecionar livros é uma coisa que sempre me deu muito prazer, os livros são ótima companhia, só há dois inconvenientes: as pessoas que lhe pedem livros emprestados e aqueles que insistem em perguntar se "você já leu todos esses livros". Essa pergunta é quase tão inconveniente quanto perguntar a um colecionador de carros se ele usa todos eles.

Mas, quer saber, nem tenho tantos livros assim, pelo menos não tenho tantos quantos gostaria de ter, e ainda espero ler todos eles, mais os que chegarem, os das bibliotecas, os que me emprestarem, os que me derem...

Gostei particularmente dessa estante que deixa os livros de cabeça pra baixo, é uma espécie de vingança, afinal não é isso que eles fazem conosco?

 

Em meados dos anos noventa, quando as bibliotecas brasileiras aproximaram-se efetivamente da internet e quando muitas delas consolidaram projetos de automação, era preocupação constante avaliar a eficácia desses processos de automação. Ainda avaliávamos, por meio de comparações, a eficácia dos catálogos automatizados e a dos catálogos convencionais. Foram questionamentos necessários ao momento, mas que hoje, com o olhar distante e mais ponderado que o tempo concede, revestem-se até mesmo de certa ingenuidade.

O questionamento sobre a eficácia dos catálogos tradicionais (leia-se catálogos com fichas) e dos, então chamados, On-line public access catalogs (OPACs), carregava, de modo implícito, a crença de que a mudança era de ferramenta apenas, quando na verdade era algo maior. O computador não era (e não é) uma “mera” ferramenta de trabalho.

A questão merece reflexões pela constatação de que não há determinismo na relação que entre si estabelecem a representação, a recuperação da informação e as tecnologias da informação. As tarefas básicas de organizar, administrar e disseminar o conhecimento, fazem eco, como, aliás, não poderia deixar de ser, à forma como a sociedade irá legitimar e justificar os sistemas de informação documentária, de modo geral. Num quadro sintético, a evolução dos sistemas de informação é pontuada por três fases distintas:

  • ênfase no acervo – quando o mais importante é a coleção, considerada como símbolo de Nesse contexto a biblioteca é encarada como depositária do conhecimento humano;
  • ênfase no atendimento – as necessidades do usuário determinam todos os serviços da biblioteca; a biblioteca é interpretada principalmente por sua utilidade prática e competência em prestar bom atendimento, passa a ser denominada serviço ou sistema de informação. Não haveria nada de errado nisto não fosse o fato de que nesse contexto é possível perceber alguma idealização da figura do usuário.
  • ênfase na informação – a noção de que o importante nas unidades de informação (a nova denominação de biblioteca que a literatura sugere a partir de então) é a informação contida num documento; a constatação de que o usuário não busca algo físico, não busca suporte informacional, quando quer resolver um dado problema, quando quer reduzir sua incerteza. Quando se dirige à biblioteca quer, antes, algo intangível, incomensurável, quer a informação mesma. Não importa mais saber o que está sendo transmitido, não é a mensagem em si (e nem o meio) que importa, mas sim a intensidade das mudanças que ela (a informação, a mensagem) promoverá.

O ambiente eletrônico, por meio de suas facilidades e potencialidades, inaugura uma nova fase nos processos de organização e recuperação da informação, cujo centro é a questão do acesso e não mais a posse. Essa condição torna obrigatório rever teorias biblioteconômicas como, por exemplo, as referentes à formação e desenvolvimento de coleções e coloca em cheque várias fórmulas de controle informacional.

(c) Walter Moreira

27 jul. 2009

eletronicaRecentemente, no dia 24 mar. 2009, o Google anunciou a integração de tecnologias semânticas ao seu sistema de busca. Trata-se de um avanço considerável: será que finalmente os computadores vão contrariar Picasso e demonstrar alguma inteligência? Acredito (torço?) que não. Como todos sabem, nossa capacidade de inferência, de ultrapassar um mundo puramente sintático (aquele habitado pelos mecanismos de busca que ainda insistem em índices de ocorrência como critério de matching), e habitar um mundo semântico e pragmático é um fatores responsáveis pela nossa dificuldade em nos fazer entender pela máquina. Bem, na verdade, isso torna o mundo tão complexo que nem conseguimos nos fazer entender por outros seres humanos.

Li em algum lugar, algum dia: o computador é tão burro que, embora "conviva" diariamente conosco, muitas vezes por longos anos, é incapaz de saber, quando nos afastamos deles, se saímos para tomar um café ou se desaparecemos para sempre de nossas casas, coisa que até nossos cachorro percebem.

Seria realmente fantástico se os mecanismos de busca pudessem "compreender" uma frase, por exemplo, se pudessem compreender o contexto e o sentido por trás das palavras. Isso nos economizaria muito tempo gasto em longas e intermináveis buscas. É esperar e testar para conferir.

Veja a notícia completa.